Sexta-feira passada sai de casa por volta de 11h da manhã, retornando apenas `as 17:30h, tudo normal, tudo tranquilo, maridão viajando, meu fiel cãozinho tinha ido dar um role na casa da minha mãe e eu solita, preparei o jantar, dei um tapa na casa, já que maridão iria chegar na madruga, e fiquei relax.

No sábado meus pais trouxeram de volta o Thor, desci para buscá-lo na portaria e quando estou esperando o elevador, sabe quando você fica de bobeira perto de um quadro de anúncios e começa a ler coisas que nem te interessam ou que você já leu? Então, era essa a minha situação, foi então que li à respeito do velório de Dona Fulana de Tal do apartamento nº tal , nem me liguei nos fatos, mas três segundos após tirar o olho do comunicado, sabe quando bate um estalo? Então voltei meus olhos para ler novamente e eis que era a vizinha.

A ficha demorou a cair, primeiro porque eu nunca soube seu nome, ela nunca se apresentou, eu até poderia ter tentado, mas como ela mal respondia bom dia quando eu falava, não perdi meu tempo tentando saber o nome dela. Sei apenas que ela morria de medo de cachorro, então toda manhã era uma batalha já que ela saia para fazer suas compras diárias no mesmo horário em que eu descia com o Thor.

Meu ritual mudou, antes eu olhava no olho mágico para ver se ela estava esperando o elevador, se não estivesse eu saia e já fazia uns barulhos no corredor para ela saber que estávamos lá, outras vezes eu ficava atrás da porta, espiando pelo olho mágico enquanto ela esperava o elevador, para sair de casa somente após ela ter entrado no mesmo.

Hoje em dia, apenas abro a minha porta e saio.

Voltando ao dia do descobrimento de seu falecimento, quando li o comunicado medrosa do jeito que sou, devo admitir que quando era criança tinha mais medo ainda de pessoas mortas, pois meu irmão sempre falava quando alguém famoso morria para eu tomar cuidado que iriam puxar o meu pé, perguntei ao porteiro primeiramente se era a senhora que tinha medo de cachorro e ele olhou para meu rosto  e acenou a cabeça positivamente com um olhar de quem já sabia qual seria a próxima pergunta.

– “E então Sandro, ela morreu de que e aonde?”
-“De que não sei não, mas foi aí mesmo”
– “Mas quando?”
Fiquei pensando com meus botões, afinal se ela morreu no apartamento como que eu nem mesmo vi descer com caixão (depois vim a saber que quando as pessoas morrem em apartamento não descem dentro do caixão, descem carregadas no ombro de alguém) nem nada parecido, será que estou tão desligada e/ou atarentada que nem mesmo escutei barulhos?
-“Morreu na quinta-feira, mas o corpo foi encontrado na sexta, na cozinha”
Que bom que na sexta-feira fiquei horas para resolver duas coisas, no dia reclamei tanto e quando soube do ocorrido, agradeci demais pelas horas de espera.

Subi e fiquei pensativa, afinal a janela da área de serviço dela é de frente para a minha, e então fiquei pensando que se ela tentasse pedir ajuda, não iria adiantar já que nunca soube meu nome, pensei como deve ser triste morrer sozinho, depois pensei que o medo que temos da morte é realmente o medo do desconhecido, pensei tantas coisas, mas principalmente que havia uma pessoa morta ao meu lado e eu nem desconfiei.

Demorou uma semana para saber mais ou menos ao certo do que a senhora morreu e como descobriram. Morreu na cozinha, segundo o porteiro chefe, foi enfarto, ela estava com o remédio na mão, iria almoçar na sexta com os netos, como sempre fazia, porém como não apareceu, um dos netos resolveu verificar se estava tudo bem e acabou encontrando a avó já sem vida.

Triste fato, triste post, mas o que quero dizer é como tudo é passageiro, o falecimento da vizinha que eu vim a saber o nome somente após o fato ocorrido, me tocou de várias maneiras, mesmo sem sermos amigas ou nada parecido, foi somente então no dia que fui sair com o Thor pela manhã que me dei conta que não iria mais ver aquela pessoa a qual durante um ano e meio fiquei fazendo o ritual do olho mágico, tentando a todo custo respeitar os seus medos sem que ela tivesse que ficar aterrorizada com meu fiel escudeiro no corredor do prédio enquanto esperávamos para dar nossa voltinha matinal.

Aos 30&Alguns desejo que a Dona M. descance em paz!

By Veri Serpa Frullani

Veri Serpa Frullani, brasileira, mãe e esposa, atualmente vive em Dubai, já morou em Nova York, São Paulo e Rio de Janeiro. Bacharel em Turismo, produtora multimída, escritora, designer de acessórios, também é editora do Portal Vida Adulta, do Geek Chic e do Firma Produções. Já editou os extintos Brazilians Abroad e Comida Brasileira. Veri Serpa Frullani tem presença e influência na internet desde 1999, já foi colaboradora de vários projetos e sites, entre eles TechTudo, Digital Drops, Olhar Digital e dos extintos Nossa Via e Deusario.

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